Estamos mesmo mais livres?

Às vezes pergunto-me se, com tanto progresso, não perdemos a liberdade no caminho. Vivemos num tempo em que há mais informação, mais consciência, mais escolhas. Mas também sinto que há mais regras, mais julgamentos, mais pressão. E, no fundo, menos liberdade real.

Vejo isso nas coisas mais simples. Por exemplo, na alimentação das crianças. Tenho colegas que são mães e não dão uma migalha de açúcar aos filhos até aos dois anos. Tudo é controlado: panquecas sem açúcar, bolos sem glúten e açúcar, iogurte natural feito em casa, fruta sem aditivos. E não digo que esteja errado — até concordo com muito dessa atenção. Mas será que precisamos de levar tudo ao extremo? Eu e as minhas irmãs comíamos bolachas Maria, Cerelac e outras coisas com açúcar. E estamos aqui. Saudáveis. Vivas.

O que me custa não é tanto o cuidado, é a rigidez. Parece que, se hoje em dia dás uma bolacha a uma criança, és quase vista como uma criminosa. Onde ficou o equilíbrio? O bom senso? O permitir um pouco de tudo, como se fazia antes? E a alimentação importa só até aos 2 anos ? E nós adultos ? Todos devemos ter cuidados com a alimentação, menos comida processada, menos açúcar, menos gordura. Mas sem uma rigidez associada que nos leva a ter medo, a achar que se comer uma bolacha estou a falhar, a um julgamento da sociedade por estar a dar açúcar a uma criança de 2 anos .

Sinto a mesma rigidez na questão da fertilidade. Estive mais de um ano a tentar engravidar. Fiz tudo “como deve ser”: ácido fólico, vitaminas, consultas, exames, Dufine, testes de ovulação… mas com isso veio também uma pressão imensa. O corpo começou a deixar de fluir naturalmente. Curiosamente, agora que parei com tudo, consigo perceber a minha ovulação só pelo meu corpo, pelo corrimento. Quando estava a seguir todas as indicações, nem isso sentia. Será que estamos a complicar demais o que devia ser simples? As nossas mães engravidavam sem tudo isto. E nós nascemos.

Hoje temos tanto conhecimento que parece que, em vez de liberdade, ganhámos um controlo sufocante. E quem se desvia do “ideal”, é logo julgado.

Aliás, esse julgamento é transversal. Vivemos numa sociedade onde se diz que há liberdade de expressão, mas na prática há limites invisíveis. Podes ter opinião, sim — desde que ela se encaixe no que é socialmente aceite. Caso contrário, és cancelado. Expulso. Condenado.

Dou um exemplo extremo só para refletir: se alguém num programa de televisão tem um comentário considerado pela sociedade racista/xenófobo/machista/feminista— independentemente do contexto — pode ser expulso, despedido e não fica livre do julgamento da sociedade. Mas… e a tal liberdade de expressão? Não significa isso também o direito de dizerem algo com que não concordamos? Claro que não estou a defender preconceitos. Mas defendo o direito das pessoas a falarem como realmente pensam — mesmo que estejam erradas. Porque se estamos sempre a calar as vozes dissonantes, deixamos de ter uma sociedade livre e passamos a ter uma sociedade condicionada.

E é aqui que sinto que preciso esclarecer algo (ou seja , eu própria ao escrever isto sinto que tenho de ressalvar o que estou a dizer para não ser mal intrepetada): eu não apoio qualquer forma de agressão, nem insultos, nem preconceitos – muito menos racismo, machismo ou xenofobia. Não acredito que o direito de um deva passar por cima da dignidade do outro. Liberdade de expressão não é liberdade para ofender. É a possibilidade de sermos verdadeiros – com respeito, com consciência e com empatia. Não me identifico com extremismos de nenhum lado. Eu defendo pessoas. Acima de tudo. Vejo pessoas. Não vejo rótulos. Não é por alguém ser homem, mulher, branco, preto, português ou brasileiro que gosto mais ou menos dessa pessoa. Se não gosto de alguém, é pela atitude, não pela identidade. Cada vez mais vemos rótulos e não pessoas.

Por exemplo, não me identifico com o feminismo extremo. Gosto que o meu marido me abra a porta do carro. Gosto que me pague o jantar. Que me compre flores. E isso não faz de mim menos independente. Gosto de cuidar, de ser cuidada – e acredito que a igualdade está no respeito mútuo, não em apagar diferenças.

Mas a verdade é que às vezes parece que não podemos dizer isto. Parece que há temas proibidos. Que há uma forma certa de ser mulher, certa de falar, certa de pensar. E se foges disso, estás errada.

No fundo, sinto que lutámos tanto por liberdade – de expressão, de escolhas, de identidade – mas hoje vivemos mais presos do que nunca. Não se pode comer isto, não se pode dizer aquilo, não se pode pensar diferente. Até no natural, como tentar engravidar ou dar um lanche a uma criança, tudo vem com pressão e julgamento.

E a pergunta que fica é: seremos realmente livres? Ou estamos só a seguir novas regras disfarçadas de consciência?


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