O jogo…O vício…A dor…

Faz muitos meses que não escrevo aqui. Durante muito tempo, este espaço esteve completamente desligado da minha vida…eu não tinha/tenho energia, nem vontade. Estou a passar por uma fase muito complicada, com problemas de saúde física e mental, novos diagnósticos e a ansiedade e a depressão foram tomando conta dos meus dias. Há alturas em que eu só quero estar sossegada, afastada de tudo.
Nos últimos tempos aconteceu tanta coisa (lidar com o luto familiar, desafios pessoais, diagnósticos de saúde) que me fez parar e repensar tudo. Não vou detalhar agora, porque quero ir contando aos poucos nos próximos textos, mas posso dizer que foram meses pesados.

Hoje, devagar, sinto vontade de voltar. De voltar a escrever e de abrir o coração aqui. E, por isso, quero falar sobre algo que nunca tinha partilhado neste blog, mas que faz parte de mim desde os tempos de universidade: o vício no jogo.

Quando tinha cerca de 20/21 anos, vinda de uma família humilde, comecei a ter algum dinheiro comigo, por estar longe de casa a estudar. Às vezes eram só 20 euros por semana e, na altura, isso chegava para a gasolina, para comer, para tudo. Hoje em dia quando penso que me governava com tão pouco acho que é quase irreal, o certo é que foi bem real e eu sempre me senti muito feliz nessa época. Mas ao mesmo tempo eu queria muito ajudar os meus pais nas contas de casa, ajudar de certa forma a que eles tivessem uma vida mais estável e a não chegar ao meio do mês com a conta bancária negativa, apesar de todo o trabalho e esforço diário. Foi então que alguém me falou sobre casinos online como uma forma de “multiplicar” o pouco dinheiro que tinha, mostrou-me os seus ganhos e na altura eu só pensava que era uma parvoíce, que o jogo é um vicio e que muitos perdem tudo com isso.

No entanto, ficou um bichinho dentro de mim de querer tentar só uma vez para ver se era verdade, infelizmente consegui com 20€ ganhar 100€ e no início até parecia resultar. Ganhos pequenos, como 100€, ajudavam a pagar a luz, a água, as mercearias. Mas, sem perceber, aquilo tornou-se num vício. Houve dias que consegui ganhar valores muito grandes de uma vez e achei que poderia pagar dívidas, resolver tudo, mas perdi. Queria mais. E não conseguia controlar. Ganhei 1000€, mas se ganhei estes 1000€ posso aumentar a aposta e posso ganhar ainda mais, sim este era o meu pensamento. Mas ao tentar ganhar mais acabava por perder tudo e logo a seguir o pensamento de que se foi possível ganhar 1000€ posso depositar de novo para tentar recuperar aqueles 1000€. E entrei numa bola de neve: depositar para recuperar o que perdi, apostar de novo para recuperar a esperança.

Piorou quando comecei a trabalhar porque quando recebi o primeiro salário, achei que se com um depósito pequeno eu conseguia por vezes chegar a um valor tão alto, atenção, ressalvo que nunca cheguei a levantar ganhos pois perdia tudo ao achar que ia ganhar mais, se eu fizesse depósitos maiores como 100€ iria conseguir mais lucro. E acreditem foi funcionando nos primeiros tempos, lembro-me que ao fim de algum tempo de trabalho e jogo consegui na minha conta perto de 7000€, mas depois eu passei a achar que conseguia mais e consegui perder tudo. TUDO.

Com tudo isto decidi fazer um crédito rápido com o valor perdido, porque eu vivia com os meus pais, ajudava-os e como é que ia explicar que não tinha dinheiro. Sim, porque apenas há uma pessoa que sabe de tudo isto, mais ninguém. Eu sabia que era errado e tinha vergonha de admitir tudo o que estava acontecer comigo. Eu sabia que tinha perdido o controlo, mas achava que se eu quisesse eu deixava o jogo. O problema é que eu querer deixar não era o suficiente, já não conseguia controlar. Havia alturas em que eu jogava a chorar, porque sabia que estava a arruinar tudo, mas e se a sorte existir para mim hoje.

Gastei, sim gastei o valor do crédito, a tentar ganhar dinheiro para pagar o próprio crédito e ficar livre de prestações mensais. Com isto veio outro crédito para poder pagar as prestações do crédito que tinha feito e novamente este ciclo vicioso. O mal, o mal é que às vezes tinha sorte e esse 1% de sorte fazia-me acreditar que ainda seria possível. O objetivo já não era ajudar os meus pais mas sim pagar todas as minhas dívidas. E a bola de neve não parava de crescer. Tudo isto em silêncio.

Muita gente pensa que é só “não jogar” e pronto. Mas não é assim tão fácil. O cérebro aprende a fugir para lá, a procurar aquele prazer rápido que alivia a ansiedade e a dor, ainda que seja só por segundos. Não digo isto como desculpa; digo isto para ser honesta. A minha ansiedade e a minha depressão alimentaram este ciclo, e este ciclo alimentou ainda mais a minha ansiedade e depressão. Perdi-me. Foram anos assim. Sim, anos.

Estou em psicoterapia há algum tempo e tento, todos os dias, reconstruir a minha vida. A dívida que este vício me deixou ainda pesa e, às vezes, sinto a tentação de jogar “só mais uma vez” para tentar resolver tudo. Mas sei que isso não é solução. A divida é uma consequência desta doença horrível. Sim, doença. Não pensem que não tentei, ficava meses sem jogar mas lá vinha o pensamento de que podia conseguir e em um dia apenas perdia tudo. É fácil pensar,” era só parar”; ” tinhas de ser forte ao ponto de perceber que te faz mal”, eu sei, acreditem eu dizia isto a mim mesma enquanto jogava e já sofria por saber que ia perder tudo.

Eu sabia que a cada depósito que eu fazia, eu nunca ia ser capaz de o levantar , porque ia querer sempre mais um bocado e isso levava ao abismo de perder tudo. Mas como explicar que eu não controlava estes impulsos, a revolta, a tristeza, a raiva, o nojo de mim para comigo era real.

Neste momento estou em recuperação, com apoio mas a minha vida é uma montanha russa de imprevistos. Quando penso que tudo está a estabilizar, algo me afunda de novo. Despesas e mais despesas. Consultas para pagar. Medicação para pagar. Créditos para pagar. Culpa minha. Eu só quero recomeçar, mas não dá.

Por isso, decidi expor-me de uma forma que nunca fiz: recentemente, criei uma página no GoFundMe. Não para que paguem a minha dívida inteira, nem para me desculpar, mas para tentar, com alguma ajuda, aliviar este peso e finalmente conseguir respirar e recomeçar com paz. Sei que pode ser controverso tudo isto, mal visto por a grande maioria, mas eu só quero tentar equilibrar a minha vida e não estou a obrigar ninguém a doar, estou a deixar em aberto. Qualquer partilha, palavra de apoio ou gesto conta. Saber a tua história, ouvir os teus desabafos por este ou outro vicio/problema, ajuda-me a perceber que não estou sozinha.

Obrigada por estarem desse lado. Obrigada por lerem até ao fim. Deixa uma mensagem, um comentário, uma palavra. Aos poucos vou contando mais, sobre o que aconteceu nestes meses, sobre como estou a lidar com este processo, sobre os novos desafios de saúde, sobre as pequenas vitórias que vou conseguindo. Este blog vai voltar a ser o meu espaço de partilha, cura e reconstrução.

https://www.gofundme.com/f/recomecar-a-historia-de-uma-jovem-a-lutar-contra-um-vicio


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