Ele é meu marido, meu eterno namorado, meu amigo desde a adolescência. Apaixonou-se por uma rapariga atrevida, divertida, cheia de sonhos e coragem. Hoje tem ao lado uma mulher que vive entre crises de ansiedade, depressão, dores físicas, vícios e culpas. Uma mulher que, algures no caminho, se perdeu e ainda não conseguiu voltar.
Ele podia ter ido embora. Podia ter virado costas. Podia libertar-se disto tudo. Mas não. Ele fica. Ele segura-me. Ele apoia-me. Ele ajuda-me a respirar nos meus ataques de ansiedade, pede-me para dizer três coisas que vejo, três coisas que sinto, três coisas que cheiro, para me trazer de volta. Ele chora comigo quando eu choro. Ele toca na campainha com medo do que pode encontrar do outro lado da porta, mas ainda assim entra. E ainda assim abraça-me.
Ele sonha ser pai. E eu é só o meu maior sonho. Sempre sonhámos isso juntos. Mas eu, com tudo o que carrego, com a minha endometriose, com a ansiedade, o cansaço e a depressão, tenho-lhe roubado esse sonho. E mesmo assim ele não me culpa. Mesmo assim ele fica.
Um casal vive também de intimidade, de relações sexuais. Eu tenho dores, sempre tive, e agora somam-se o cansaço, a ansiedade, a depressão. Muitas vezes ele pede, como é natural, e a maior parte das vezes eu digo que não, porque eu não consigo. A minha cabeça está cansada, exausta, desligada do meu corpo. As dores nas relações também não ajudam às vezes até tenho medo de ter relações porque já conheço a dor. Sei que ele sofre com isso. E, mesmo assim, ele aceita. Mesmo assim ele fica.
Sei também que ele sofre com algo ainda mais pesado: o meu vício no jogo. Eu gasto dinheiro, destruo as nossas economias, acumulo dívidas. Ele ajuda-me, cobre o que pode, sacrifica-se, mesmo sabendo que isso o prejudica. Sei que ele sofre porque temos objetivos em comum e vê-me a deitá-los a perder. Sei que ele sofre por não saber como ajudar. Sei que ele sofre sozinho, porque teme não me conseguir salvar. Sei que ele sofre porque teme perder-me, mesmo eu repetindo vezes sem conta que amo demasiado a vida para cometer uma loucura.
Mas ele também é humano. Ele também falha e magoa. Às vezes esquece-se que isto não é “um dia mau”, é uma luta crónica, silenciosa e cansativa. Às vezes, em vez de entender, pergunta-me “mas porquê?”. Já aconteceu implorar-lhe para ficar comigo numa crise de ansiedade, no meio do desespero e do choro e ele dizer que sim… e, mal me vê mais calma, voltar a falar de ir com o pai andar de bicicleta. Já aconteceu de me sentir um fardo e, mesmo assim, ele escolher outra prioridade. E dói. Dói porque sinto que nunca fui, e talvez nunca seja, a prioridade dele. Porque os pais sempre tiveram esse poder, porque ele nunca lhes diz que não, porque precisa de inventar desculpas quando quer dizer não. A mim ele diz não, a mim ele consegue não me priorizar. Dói porque, mesmo quando lhe digo que tive um dia mau, que não consegui sair do sofá, ele ainda me pergunta “mas porquê? O que se passa?”, como se não tivesse ouvido já mil vezes que nem eu sei.
Ninguém, para além dele e da minha psicóloga/psiquiatra, tem noção do meu verdadeiro sofrimento. Quando saio de casa, visto uma máscara de felicidade. E ele fica lá ao meu lado, a ver-me disfarçar tudo. Às vezes até parece que ele acredita naquele disfarce. Que acredita que realmente estou bem. Mas sei que ele sabe. Sei que ele vê.
Eu sei que estou numa fase autodestrutiva. Sei que ele merecia mais do que estar sempre preocupado comigo. Sei que a pessoa boa que ele é merecia paz, leveza, alegria. E ainda assim ele fica. Ele escolhe ficar.
Este texto não é um pedido de desculpa nem uma tentativa de justificar-me. É um reconhecimento. É uma forma de dizer que eu sei, eu vejo, eu sinto o quanto ele sofre, o quanto ele aguenta, o quanto ele me salva.
Ele é um bom filho, um bom amigo, um bom marido, um bom menino. Um homem com uma paciência e uma generosidade que eu não teria. Ele é o meu abrigo, o meu sítio seguro, a minha casa.
Ao meu marido: obrigada por ficares. Obrigada por me salvares em silêncio. Obrigada por me lembrares, todos os dias, que eu ainda sou alguém que vale a pena amar.
Nem sempre somos só amor, cuidado, compreensão, o casal perfeito. Às vezes discutimos, sentimos-nos sós mesmo juntos, sentimos incompreensão, sentimos raiva. Às vezes surge mesmo as dúvidas se realmente estamos bem juntos. Mas paramos, discutimos, falamos, respiramos… e continuamos.
Será isto a definição de amor ?

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